Das palavras das cartas · Mariana Gouveia · Scenarium Livros Artesanais

Como posso viver sem essa mulher que funciona como o meu espelho?

Fico imaginando o que essa mulher vê em mim.
Por mais que tento lhe mostrar
O quanto vivemos em mundo diferentes,
Ela não me ouve:
o caderno               o cigarro

o falerno                o carro

Querida Rozana,

Essa é a primeira carta que te escrevo e confesso que precisei buscar o ar e me preparar para a emoção de te ler. Eu já havia dito alguns dias atrás que me deparei apaixonada por sua escrita, mas a cada encontro em saraus eu me pego maravilhada pela mulher que vejo em você.

Até me ouve, mas não me escuta.
Não vê, como eu, a cilada que os deuses decaídos
Preparam ao menor escorregão:
o segredo               o batuque
o medo                  o truque

O seu poema, que dá o tema para essa carta, não fosse só pelo verso primeiro, já me deixou boquiaberta e arquitetei meu plano de voo e embarquei no seu Mulheres que voam…

Até vê, mas não enxerga a profundidade da maldade
E da destruição de que eles são capazes:
a palavra              o erro
o berro                  a trava

Como resistir a um convite de planar pelas tuas palavras e mergulhar na sua poesia? Como não voar junto e deparar com essa mulher que se solta, que se mostra atrás do espelho, dentro do espelho, fora da alma, dentro da alma?

Ah, não posso ser irresponsável e violar o proibido
Não analisando as consequências gravíssimas
Desse ato insano:
o abraço                o traço
o beijo                   o desejo

Essa mulher que grita e silencia, que chora e ri… Quando vejo o brilho do seu olho ao declamar um poema eu me derramo e penso na frase clichê: quero ser igualzinha a ela quando crescer. Mas, eu cresci, Rozana e descubro sua unicidade e percebo que não se fazem Rozanas assim, de qualquer forma não. Porque esse voar é seu, único e você domina o céu que voa.

Por ela é que luto, é a única perspectiva de que
Posso dar certo:
o perigo                o siso
o riso                    o abrigo

E quando voa, composta de tantas mulheres que carrega no peito, na alma o céu se torna seu e quem tem um céu para desbravar é domadora de asas. dobradura em voos seus. E quem voa tão perto do céu, Rozana espalha sementes.

E ela insiste: a está para b assim como b está para a:
a dádiva                a dívida
a expectativa         a boa vida

E eu vibro com a mulher coragem e com esse atravessar de tempo na poesia. Com esse arranjo de gestos nas palavras e eu me pergunto sobre essa mulher no espelho – a outra – que você não funciona sem… são complementos, Rozana ou falta mesmo? Uma se resume na outra? Ou é a mesma que vejo com olhos de admiração?

Como posso viver sem essa mulher que funciona
Como o meu espelho? Ou o oposto do espelho?
a simplicidade         o excesso
a singularidade         o sucesso

Porque eu vejo singularidade e inspiração. Uma dentro da outra sendo complementos dos mesmos voos, da mesma sombra e reflexos.

As duas partes se completam. Estou na Golden Gate.
Só aqui sou emocionalmente dela:
a água                 o fogo
a trégua                o jogo

Sabe, Rozana, essa carta durou o tempo de um voo que fiz por teus lugares. Vasculhei os sentimentos, as acolhidas onde você estende a mão e ampara, indica caminhos e segue junta com as outras iguais.

Preciso dela. Ela sabe disso. Apesar das sombras, da ausência,
Da ansiedade, qualquer dia desses, acontece:
o encontro              a entrega
o voo                      o êxtase

Depois desse voo me permito estar entre as mulheres que voam contigo. Me entrego de vez à sua a poesia e justifico que sou a mulher que funciona atrás de seus livros e pertenço a essa mesma sensação de liberdade.

E se esse menino-poeta não cumprir as suas [promessas,
Como é que vai ficar o coração dessa mulher?
o amor                  a dor
a razão                  a solidão

Meu abraço carinhoso,
Mariana Gouveia
Projeto Blogvember – Scenarium Livros Artesanais
Participam juntos comigo: Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega – Roseli Pedroso Suzana Martins
Fotografias: Konstantin Alexssandroff/ Lunna Guedes.

Quem quiser conhecer o trabalho de Rozana Gastaldi Cominal o caminho é aqui
e para adquirir Mulheres que voam e outros Coletivos que Rozana participou basta clicar aqui.

6 comentários em “Como posso viver sem essa mulher que funciona como o meu espelho?

  1. Bom dia, Mariana
    Sua carta é domingo em festa!
    Estou na estrada depois de uns dias fora de casa, da rotina de escrever, de respondera quem quer que seja, seja o q for. Mas não consigo esperar até subir a serra para na terça ou quarta começar os trabalhos de escrita . É um prenúncio do quanto fui arrebatada por sua correspondência amorosa.
    Quanta honra! Forte abraço.

    Curtido por 1 pessoa

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