Era como se a cada passo eu me rasgasse um pouco, porque minha pele tinha ficado presa
naquela mulher
Chico Buarque
Cada vez que eu a visitava queria levar tudo dela em mim, inclusive o perfume. As digitais impregnadas no meu corpo, feitas no aperto dos abraços. O riso que eu capturava e guardava nas lembranças para recorrer a ele horas depois, quando a saudade teimava em morar em mim.
Dela eu queria tudo e não queria deixar nada, para que diante da falta sentisse que precisasse de mim. Mas ela não sentia, porque me tinha o tempo todo.
Mesmo quando eu não estava por perto, minha presença se fazia instante. Não queria dividi-la com ninguém. Nem com a chuva que por vezes caía, nem com o sol que dourava a pele dela. Avara de tudo que pertencia a ela. Do chá que ela bebia. Do aroma das flores que ela aspirava. Na boca que declamava poesias para mim.
Por isso, gostava de levá-la para ver a lua quando não havia mais ninguém nas ruas e apenas um cão ou outro latia aos nossos passos e eu podia mostrar as estrelas sem que ninguém conhecesse o riso que brilhava dentro das meninas dos olhos dela.
Era assim que eu a tinha. Em sonhos e por ela eu nunca acordaria. Hoje, o eco da melodia me faz ser uma mendiga de vontades e revirando meu baú o cheiro dela permanece intacto no lenço que ficou. Na echarpe colorida que eu enrolava nos cabelos dela. Hoje, ela é apenas saudades.
Mariana Gouveia
Série Sete Pecados
Scenarium Livros Artesanais
Ph: Alexander Borisov