“Nesta ausência que me excita,
tenho-te, à minha vontade,
numa vontade infinita…
Distância, sejas bendita!
Bendita sejas, saudade!”
Gilka Machado
Caro vento,
Talvez abrir os braços e te acolher dentro de mim, incorporando roupas e cabelos, seja pouco… o que eu quero é redemoinho. Aquele lá da infância onde você surgia miúdo e ia ganhando os beirais dos currais e de repente estava lá, espalhando os lençóis nos varais e as pipas dos meus irmãos.
Você me lembra a liberdade… essa frase solta que calada não tem a força e que represada — igual minha mãe dizia — vai roubando instantes nos quintais vida afora. Você se tornando redemoinho fica igual menino furioso e o infinito se torna tão curto para além das cercas.
Tenho em mim os ideais de sua força… é como a força do mar, que ganha do rio as gotas e se transforma em gigante. Já imaginou se cada um de nós tivesse na mente a sabedoria de sua força?
O que me lembro de sua fúria, vem pelo olhar de minha mãe — eu, menina olho de poesia, e os arames farpados em nossa frente — e a cadeira preferida dela em seu centro e as folhas das palmeiras que circuncidavam nosso quintal viraram picadinhos enquanto seu furor rompia o monjolo, as telhas e além da cerca, a árvore de minha infância.
O medo, é esse bicho troncho, que nem avisa quando é de verdade e quando devemos realmente temer. Voltar é impossível na existência — minha mãe repetia — o olho deve ir além.
Amanhã é outro dia, ela repetia, tal qual a palavra do filme, que ela nunca viu, mas ouvia via na rádio: E o vento levou era mantra aqui.
Esse rompante que ultrapassa as barreiras e invade os varais me fascina — é verdade — e ao mesmo tempo me retrai e se eu disser que hoje consigo lidar com seus avanços, minto.
Você é essa lembrança imperiosa que a mente não consegue apagar e ao mesmo tempo é essa ânsia de vida que acolhe o peito e transforma tudo que toco em redemoinhos.
Sou tão pouca diante dos retratos preparados e sou tão frágil feito pena aos seus olhos. A vida tem a dimensão exata do que você é capaz. Uma onda que escapa do mar e causa rebuliço no campo e arranca as roupas dos varais, mas que não pode comigo quando me permito voar.
Mariana Gouveia
Carta publicada no livro Delírios Comunistas,
Scenarium Livros Artesanais