Das rotinas · Mariana Gouveia

Maria das flores

Ela tinha um jardim bonito. Desses cheios de flores variadas e ervas que tanto servem pra remédios como para temperos.

A cada 15 dias eu visitava aquele jardim e nunca era a mesma flor. E nem os mesmos pássaros e as borboletas laranjas, também não eram as mesmas. Mas ela, era. Eu a via sentada numa das cadeiras que ficava debaixo de uma árvore.

A princípio, parecia que me olhava. Cheguei a ter impressão de que sorria quando essa ou aquela borboleta escapava de mim. Mas, era impressão mesmo.

Respondia ao meu bom dia, meio tímida e não mais que isso, enquanto eu invadia quase a parte toda do quintal atrás dessa ou daquela borboleta.

Quando chegava minha hora de ir eu agradecia, dava tchau e ia rumo à vida. E ela ficava ali, no seu jardim de flores.

Mariana Gouveia

Das rotinas · Mariana Gouveia

Costura a sorte na flor no bordado da vida.

Costura a sorte do dia de acordo com o horóscopo.
A sutileza das coisas acontece nas manhãs serenas.
O ponto costurado é a reconstrução da alma. Um menino laranja é fonte de amor e de energia.
A moça de cachos dourados traz o sorriso na alma – preciso fazê-la entender isso todos os dias – e a coragem no olhar.

A tarde, o céu carregou de nuvens.
Choveu em tudo que é canto. A natureza, as vezes, cabe na solidão da alma.
Costura a sorte na flor no bordado da vida. O mito já não traz a emoção da história. O arremate é apenas o ponto final no avesso perfeito.

Mariana Gouveia

Das rotinas · Mariana Gouveia

dos rituais da memória

O guarda chuvas não continha o equilíbrio do vento, quebrou na esquina de cima, antes mesmo que a chuva passasse.
A água escorria do céu feito afagos.
A solidão é mesmo feita de horas vazias.

Uma mulher me contou uma história do pai – vi a emoção dentro dos olhos dela –
O pai, sempre deixava para ela e os irmãos, um pouco da comida da marmita. Dava uma colher para cada, só porque eles gostavam.
O olho do pai brilhava vendo a comida ser compartilhada entre os filhos.
Dentro dos olhos dela o céu brilhava de azul e chovia.
A voz embargou na lembrança.
Tão perto, ali, a revelar memórias. Tão longe, ali, a viver dentro delas.

Não foi preciso abraçá-la… o gesto continha o abraço.

Mariana Gouveia
dos Rituais da memória

Das rotinas · Mariana Gouveia

Dos rituais da vida

A sorte morreu na esquina, duas quadras abaixo da morada final.
Alguém recebeu um buquê de flores. Ria ilusão nas escolhas feitas.
Espalhou fragrância por onde passou.
Dizia que ritual não precisa de ritos.
Buscou fiador para vender verdades.
Deixou guardada nos classificados a sorte vivida.
Todo colo é sabor de espera.

Mariana Gouveia
dos Rituais da vida

Das rotinas · Mariana Gouveia

Dos rituais

Procura o equilíbrio tênue dentro do dia. Encontra o desafio entre amar e gostar.
O sentimento é coisa estranha dentro da gente.
As coisas miúdas acontecem por acaso diante dos Rituais.

Escreve, define, se questiona sobre qual o caminho para a serenidade do tempo…
Descobre que a lógica da vida é viver.

Mariana Gouveia
dos Rituais

Das rotinas · Mariana Gouveia

Dos rituais das águas

Havia chuva no olhar distante.
Caía o dia em forma de gotas. As asas guardam pérolas de diamante.
As notícias salvam crianças que nasceram. Via um voo dentro das umidades todas.

Cabia canções no universo da água que sabia ser.
A cor exala nas folhas.
É a vida cobrando passagem diante da dor. A magia se faz de instantes.

Mariana Gouveia
dos Rituais das águas

Das rotinas · Mariana Gouveia

Dos rituais do amor


Ouvia a história de amor do homem do carro vermelho e chorou com ele suas dores de amor.
A tristeza sombreou o dia debaixo do pé de ipê, que floriu sem ser época nem nada.
Flor temporã – disse ele declamando poesia e falando que iria cruzar o mundo em nome desse amor. A natureza calou o riso dele quando ela se foi. Pediu para decifrar a sorte do dia dentro do horóscopo dele. A linha da mão falava em continuidade. Era assim que acontecia dentro dos romances do dia.

Mariana Gouveia
Dos rituais do amor

Das rotinas · Mariana Gouveia

Trouxe flores para você

Fiquei grávida de poesia depois de te amar. Há dimensões de vida inteira florindo no quintal.
O cheiro de terra molhada perfuma o quarto. Não sei se era o desejo maior ou se era fome de uma eternidade – esse meu sorver da vida – que aflora e vira flor.
A latitude inteira cruza meu quintal. Te dou o canto do beija- flor no meu bom dia.
Mil beijos despedindo rotinas desavisadas.
O som do piano nas figurinhas extraordinárias embala o nascer de mais poesia. Nascerão todas entre o agora e o depois.
E entre a paixão e a felicidade plena, trouxe flores para você.

Mariana Gouveia

Das rotinas · do verbo voar · Mariana Gouveia

Rituais do toque

Costurava afagos dentro do que a memória lembrava.
A alma conhecia o toque e sabia dele de séculos passados.

Era jeito de asas na palma da mão.
Era mão sentindo o ritmo do coração.

Pertencia ao mundo criado ali no quintal e sentia-se plena diante da magia que a vida oferecia todos os dias.
Cabia nas madrugadas junto ao canto e quando o horizonte lhe mostrava a manhã que surgia sabia que podia tocá-la se quisesse.

Sempre queria.

Mariana Gouveia
Dos rituais do toque

Das rotinas · Mariana Gouveia

a noite não foi feita para os desvios do quintal.

Perdeu a conta de quantas vezes pintou a parede. Os tijolos expostos da casa vizinha não combinava com a solidão da noite. Via fantasmas esparramados ali e os buracos dos tijolos quebrados pareciam olhos perdidos na noite. Queria cavoucar o estuque e guardar a noite dentro do buraco feito.

Definitivamente, a noite não foi feita para os desvios do quintal.

O vento que sacudia as folhas das árvores eram garras que a segurava por horas inteiras… Mas quando amanhecia, e o sol surgia junto com o voo rasante, a parede parecia um quadro de Monet, onde o riso ganhava cor no trinado do pássaro.

Mariana Gouveia
No bico do beija-flor beija a flor