Esther querida,
domingo para mim é feito de silêncio – interno, eu diria – mas, se eu te dissesse que o quintal é um alvoroço só você iria rir, eu sei. Mas, eu consigo ouvir o bater das asas das borboletas ou as asas de Chiquinho chamando por mim.
Nos domingos, eu deixo de lado as agulhas, as linhas, as canetas e vou tirar as ervas daninhas dos vasos, dos canteiros e eu sei que tudo dói na flor que seca, mas é natural que seja assim.
Essa é a primeira das muitas cartas que quero te escrever, Esther e já vou dizendo que também sinto saudades de tudo que não vivemos, que não fizemos e das cartas que ainda não te escrevi. Mas, eu sinto que sua mão me chega nesses dias difíceis. Foi um afago saber que também sente saudades de mim… e daí, a gente fica pensando de onde, de quando e como… Você sabe que nem tudo tem respostas, né?
Mas é domingo, Esther e eu já deixei de ir na missa faz tempo. Houve um tempo em que as minhas manhãs eram dedicadas às orações… nunca mais fui desde o dia em que a igreja fechou as portas para mim, em um dia que precisei de amparo e nem era dia de missa. Depois disso, passei a orar no quintal, a usar desvios para chegar ao universo pleno. Passei a reverenciar o pleno das asas que pousam em minha mão, a ouvir os cantos do pássaros e a ficar em silêncio aos domingos.
Sabe, Esther, tem domingos que aqui é pura gritaria… tanto no interno de mim quanto no pé de ipê onde um casal de bem-te-vi fez um ninho. Isso para mim virou quase um santuário… também há os barulhos dos meninos da redondeza. Parece que todos vêm brincar na minha rua. Ás vezes, eu até gosto disso. Ouvir os gritos, a correria atrás de uma pipa, a bola batendo forte no muro e vez ou outra, o chamado do meu nome para devolvê-la quando cai no quintal.
Mas em outros domingos, eu quero silêncio de voz e de sons. Fico em reverência com as ervas ou um livro que me leva para viagens além de mim. Sei que você também deve ser assim. Talvez seja por isso que nossas saudades se unem em torno desse carinho de outrora e que não sabemos de quando. Como eu disse antes, tem coisas que não têm explicações. E nem precisamos delas. Basta sentirmos e pronto.
Por aqui, o barulho que ecoa são dos trovões que é um dos sons que me fascina, e já sei que em poucos minutos os pingos da chuva que se aproxima me tocará como se fosse uma melodia. O vento já traz os primeiros sinais em gotículas que fazem com que o petricor – o cheiro da chuva – exale em meu quintal e eu me despeço com um abraço carinhoso.
Mariana Gouveia