Mariana Gouveia · via lunar

70 páginas

Perco-me dentro de você através dos séculos.
Falta- me essa presença oscilante entre a solidão e o tato.
Devia te contar que hoje chorei
e que chamei seu nome infinitas vezes.

Conheci um menino
que trazia uma flor no cabelo
– riu do meu, tão curto, em piada para os amigos –
e a menina que ria com ele
percebeu que ele tinha primavera no olhar.

Coube pétalas brancas na lição do dia.
Descobri que não havia jeito de desabraçar um abraço dado.
E que um estrangeiro pode ter sinal de partida logo na chegada.
Escrevi muitas histórias para te contar…

Depois, desfiz cada uma e dividi em cartas
que talvez você nunca vá ler.
70 páginas onde a lua apenas me avisa
que a vida é feita de fases
e que a solidão é vivida em noites de lua.
 Minguante.

Mariana Gouveia

Das palavras das cartas · Mariana Gouveia · via lunar

Carta à Maria aos cuidados de fevereiro

Para te escrever eu cumpro um ritual de todo ano, nesse dia. Eu ajeito as lembranças uma a uma e vou celebrando você na minha vida.

Poderia dizer que é a minha inspiração desde sempre. Lembro-me de que guardava seus cadernos de poesia e desejava muito ter sido eu quem tivesse escrito.

Rastreio na memória você ainda menina – com seu uniforme de normalista – a surgir na estradinha da fazenda nas sextas- feiras e a curiosidade não me permitia dormir para ouvir suas histórias da escola.

Depois, viajo mais adiante quando você se casou e foi viver sua vida. As minhas férias, a partir daí foram com você e seu jipee verde, a vasculhar seus batons com gosto de uva, a experimentar suas roupas e calçados.

O melhor presente foi os meninos… Com eles, aprendi o amor incondicional de tia e a acolher seu olhar de mãe. A vida foi dura com você… mas ao mesmo tempo foi generosa quando te deu as meninas. Te vi corajosa diante da perda. Gigante diante da dor… e frágil diante das netas. Te vejo menina diante da vida, magnânima cuidando do pai e tão generosa com aqueles que te cercam.

Para mim, você será sempre a minha Mia… aquela menina de uniforme, com meia 3/4 e sapatos de verniz. Uma guerreira que chora mas que todo dia levanta movida pela fé. Uma artista sem igual, com a magia nas mãos a criar arte em forma de carinho.

A vida nos levou para longe uma da outra, mas estou mais perto do que imagina. Dentro dos dias na poesia que você retrata quando cria, no jeito corajoso ou medroso – de enfrentar a vida.

Na última vez que nos vimos você me levou pelas ruas do seu lugar para conhecer os ipês que douravam a cidade. Essa foto é uma das muitas que encantei de ver sob seu olhar. Ser sua irmã me torna melhor. Hoje, te desejo amor além da medida e toda felicidade que alguém pode ter.

Agradeço a maneira como cuida do nosso pai. Te amo muito mais por isso.

Que tudo de bom te aconteça sempre!
Beijo

Te amo

Mariana Gouveia

Das palavras das cartas · infinitamente · Mariana Gouveia

Até que cada última estrela da galáxia morra.

Leonor,

Eu não cumpri a promessa de não te escrever mais. Eu estava limpando o jardim, tirando as ervas daninhas e o vento fez o pé de menta espalhar seu aroma no quintal. Foi quando lembrei de você – de novo – e quis te escrever. Até fiz um chá. Com ritual e tudo. Lembrei -me que plantei esse pé de menta enquanto você fotograva meu riso despetalando a flor.

Mas eu deixei a carta em suspenso. Depois, li, reli e reli de novo. Quando percebi, o dia já tinha ido embora. A lua em seu estado suspenso já era vírgula no céu e Vênus – quase um piercing, de tão perto – no negrume da noite.

Foi aí que pensei, Leonor. Vou te escrever aos domingos. Ou em dias de chuva – aqui, em alguns meses, não chove muito mesmo – ou até que cada última estrela da galáxia morra.

Isso pode durar séculos, Leonor.

Esses mesmos séculos que a gente já vivemos antes, quando as estrelas ainda nem tinham nascido. Porque eu já te amava de muito antes. De todos os tempos e acho que vou te amar sempre… Até o fim dos séculos e séculos, amém. 

Por isso, eu vou continuar com as cartas, Leonor, mesmo que não as leiam.  De alguma forma, o universo te contará.

Porque eu quero falar com você, ainda que esse seu silêncio nunca ultrapasse a barreira do som. Mesmo que você nunca leia nenhuma das cartas. As que enviei, as que embolei, as que nunca escrevi. As transformei em notas mentais, Leonor e as que ainda vou escrever.

Falar com você, é esse monólogo de saudades. Um roteiro às avessas onde eu lembro da chuva onde você dançou.

Da escada onde caí, das madrugadas contando as estrelas no telhado. Do cheiro de café sendo coado. Das mãos estendidas sobre a mesa da cozinha enquanto preparo o café da manhã.

Não é uma disputa de amor mais bonito, mas nenhuma pessoa – mesmo tendo formação profissional em psicologia ou sei lá o que – pode dizer que meu amor é mais feio que o seu. Isso, eu vou deixar escrito em cartas, Leonor, para que fique registrado para todo o sempre.

Mariana Gouveia

Divã · Mariana Gouveia · via lunar

contraventor

Fala das horas mortas – embora vivas – todo dia.
Do fascínio que uma menina faceira provoca nele.
repete o nome dela infinitas vezes.
Assiste sua dança no seu quintal.
A chama de deusa e eu, atrevida, dou-lhe o nome de deuso.
Nome que achei para a magia das palavras que ele assopra em um teatro de ousadias.

É contraventor.
Usa anagramas e se perde dela em um céu vermelho quando desaba um temporal.
Não se cala, fala, inventa idiomas, cria cidade.

Como as mãos da cartomante, corta baralho de linhas e letras.
Dá voz ao poder de lua, mesmo ela querendo minguar.
Mas toca o que é proibido,
Porque ousa quebrar os espelhos
E me chama ela pelo nome que acha mais bonito.

Pinta flores em carvão ou giz
usa origami mesmo sem dominar.
Chama os ventos astrais para as marcas da pele
onde o vento não voa e cria mais sentidos numa noite simples.

enquanto eu, em sessão solene vivo a poesia
porque a ousadia não pode parar.

Mariana Gouveia
*imagem: Tumblr 

Sete Luas · via lunar

Super Lua de Morango

Primeira Super Lua do ano. Cuiabá, 14 de Junho de 2022

Pesca a lua de noite, no céu.
Em noite de lua cheia,
a pescaria flui para além dos olhos.

Tem nos olhos a espera gravada.
A vida toda descrita nas linhas das mãos.

A mulher que lê a sorte disse que vai chover amanhã.
Aconteceu o eclipse solar em algum lugar do mundo.
Tudo era obra do acaso perante as estrelas.
Etérea a vida feita de amor e de lua.

Mariana Gouveia
Sete Luas
Scenarium Livros Artesanais
InspirAção

Sirva-me…

com uma porção de loucura e de sobremesa a Lua…

Gilson Costa
Ph: Mariana Palova

Mariana Gouveia

 As palavras escritas em um futuro impossível…

Acordei ainda na madrugada para ver algum resquício da “lua negra” que ocorreu ontem, no início da noite. Queria ver também Júpiter e Vênus alinhados, quase se tocando. É impressionante como Júpiter “desaparece” calmamente a medida que o sol vai surgindo com seus raios. O silêncio da madrugada foi quebrado pela cantoria do moço da reciclagem, que com sua carrocinha percorre as ruas do bairro recolhendo tudo que se pode reciclar.

Ele mora na rua de cima e a gente sente um afeto especial um pelo outro. De tudo que se pode reciclar e que eu não aproveito, separo para ele e quando ouço sua cantoria abro o portão e aguardo ele parar na minha porta. Geralmente, saio com as xícaras de café e falamos sobre coisas. Já ficamos em silêncio também, em alguns dias, cada um com sua dor, como se não pudéssemos falar sobre. Cada um entendendo cada palavra não dita.

Hoje, ele falou da lua e de como as estrelas estavam bonitas – fazia tempo que não via um céu tão lindo – e a lua era um risco, quase meio sorriso, quase vírgula em seu caminhar lento. Falou também do ontem, do abril que acabou e de como os dias tem passado ligeiros…

– Ela foi embora em uma noite assim, não sei se para guerra ou se para paz. E depois daquela noite eu não olhei mais o céu. Hoje, foi a primeira vez – e já não havia mais tanta amargura em sua fala.

Ela era Maria, a mulher que seria o futuro dele, dentro de tantas palavras que falamos. Não houve o porquê. Ela apenas se foi e ele ficou tantos dias a esperar por ela. Depois, desistiu de esperar e passou a andar pelas ruas a catar o que os outros jogam fora com sua carrocinha de rodas barulhentas atraindo os latidos dos cães e acordando as pessoas com sua cantoria triste.

– Já não há mais tristeza em mim – falou como se adivinhasse meu pensamento, enquanto me entregava a xícara vazia, depois do pesado gole de café – já virou costume e a falta se transformou em presença, sabe? – Achei lindo aquela frase. Apenas simulei um sorriso e o transformei no meu personagem de hoje. Já amanhecia quando nos despedimos. O domingo já ganhava a cor do sol nascendo. Ainda acenei para ele antes que virasse a esquina. O homem da reciclagem carregando o fardo do amor não reciclável.

Mariana Gouveia

Mariana Gouveia

quase perfeito alinhamento no céu…

O amor foi a lâmpada, mas no rompante de quem não era
O amor não existiu

Ana,

Na terra de um, no mundo dos cem eu vivi para abrir o seu baú… eu já conhecia metade das coisas que habitavam ali, entre o vácuo de um tempo – o papel de bala, o pauzinho do picolé da Kibon que te dava direito a mais um e você não quis – e juro que esse tempo é quase meio século entre as idades todas e o pedaço de história costurada em letras japonesas.

Foi na madrugada de hoje quando o céu em seu perfeito estado de imperfeição quase alinhou Vênus, Júpiter e a Lua. Eu fiquei vagando em cantos de muros para fugir da árvore que tentava roubar os ângulos e eu me perguntava: cadê Marte? Li que querem saber como é Marte por dentro… Eu que vivi com suas variantes e instabilidade dou risadas por aqui…

Hoje, na conjunção de quase alinhamento de Vênus, Júpiter e Lua eu estranhei o céu em sua parte que eu não via. Mas quando o brilho do fenômeno me atraiu eu já imaginei que você mudou de planeta… tão ansiosa nesse modo de espera das coisas, você desbrava o caminho e se vai. Doze anos é muito tempo para um lugar só… Aposto que aquela estrela mais brilhante ali, nessa conjunção astral é você, quebrando barreiras e se misturando em um plano astral maior do que as lembranças que seu baú me traz.

Quando leio em alguma matéria: o que vimos em Marte é que temos um núcleo maior e mais leve do que era esperado – eu já imagino você e seus rompantes dominantes. Só que quando vejo essas coisas de céu daqui da Terra eu fico te buscando nas memórias ainda vivas, em mim.

Aspiro a brisa no quintal… o cheiro de folhas úmidas. Eu vim de um tempo que não sou e vivo pra um tempo que não sei ainda qual será… mas eu fico encantada – ainda – com a magia que seu nome me causa. De alguma forma, mesmo com algum termo desconhecido você habita o céu do meu lugar. Logo eu, que fui sempre de presença… de toque. Como se toca um planeta, Ana? Como uma estrelinha – aquela da Cartilha Caminho Suave – pode alcançar essa dimensão de luz quando nem se sabe ao certo o nome da estrela brilhante? Marte pode ter fugido de algum quadrante e ido parar anos luz na saudade?

Eu vivi em todos os séculos Eu fui o sentido, o fim e o meio… esse meio em um campo celeste que você está e por isso, o fim nunca é fim… Sempre o meio para que eu chegue até você. Eu fui autora e você a poesia. Te embrulhei em uma Colcha de Retalhos e hoje você é livro contado em fotos e emoções. Hoje, alguém já conta a história de amor entre um planeta e eu… Hoje, seu nome já é sabido na terra de um, no mundo dos cem.

Me disseram que amor assim não existe e eu acato… deve ser sonho essa conjunção no céu que rege o horóscopo do dia… afinal, esse alinhamento é quase perfeito nesse sentimento de estar com você, pelo menos até o sol amanhecer em um planeta mais brilhante nesse período, no céu.

Eu sempre soube que você saberia dar um jeito de chegar até a mim, mesmo que passasse doze anos… ou mais… mesmo que os séculos nos roubasse o riso entre um quase triângulo nesse pequeno quadrilátero entre os muros onde eu vivi você.

Mariana Gouveia
É abril e é mês de b.e.d.a – blog every day april
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega –  Ale Helga – Mãe Literatura 

só porque hoje fazem doze anos que ela virou estrela

Mariana Gouveia

Artesã

Escreverei teu nome nas noites de lua

Escreverei teu nome nas noites de lua e bordarei com os fios das estrelas teu caminho até mim.

Mariana Gouveia

Mariana Gouveia

b.e.d.a – Parabéns, Cuiabá!

Minha Cuiabá,

Seu nome ronda minha vida desde antes de vir morar aqui. Desde pequena, quando minha mãe falava de você, a imaginação me fazia passear por seus lugares. Me fascinava quando ela falava de suas árvores e de você ser conhecida como cidade verde.

Ainda lembro-me da primeira vez que andei pelas suas ruas. Eu era menina ainda e a sua avenida principal ladeada de palmeiras me encantou. Foi amor à primeira vista, e eu nem sabia que viria morar aqui.

Quando cheguei para morar foi encantador e desde então me apaixono sempre por você. Seu céu, o mais lindo que há! O sol, com toda fama de abrasador me traz amanheceres deslumbrantes e entardeceres magníficos.

A lua, tem a delicadeza de caminhar sobre seu céu de uma maneira que não se vê em nenhum outro lugar. E o seu povo, o mais acolhedor.

Hoje, você completa 302 anos. Tantas histórias, tantas transformações e ainda assim sempre minha cidade. Sempre meu lugar. Em todas as ruas, em todos os becos você tem a história detalhadas nas igrejas, nos casarios, na sua gente. As suas ruas me conhecem e seu rio me acolhe nos momentos de dor. Sou grata pela acolhida e por já fazer parte de você e de sua história!

Parabéns, Cuiabá!

Mariana Gouveia
Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi – Darlene Regina – Lunna Guedes – Obdulio Ortega – Roseli Pedroso