O guarda chuvas não continha o equilíbrio do vento, quebrou na esquina de cima, antes mesmo que a chuva passasse. A água escorria do céu feito afagos. A solidão é mesmo feita de horas vazias.
Uma mulher me contou uma história do pai – vi a emoção dentro dos olhos dela – O pai, sempre deixava para ela e os irmãos, um pouco da comida da marmita. Dava uma colher para cada, só porque eles gostavam. O olho do pai brilhava vendo a comida ser compartilhada entre os filhos. Dentro dos olhos dela o céu brilhava de azul e chovia. A voz embargou na lembrança. Tão perto, ali, a revelar memórias. Tão longe, ali, a viver dentro delas.
Não foi preciso abraçá-la… o gesto continha o abraço.
A sorte morreu na esquina, duas quadras abaixo da morada final. Alguém recebeu um buquê de flores. Ria ilusão nas escolhas feitas. Espalhou fragrância por onde passou. Dizia que ritual não precisa de ritos. Buscou fiador para vender verdades. Deixou guardada nos classificados a sorte vivida. Todo colo é sabor de espera.
Procura o equilíbrio tênue dentro do dia. Encontra o desafio entre amar e gostar. O sentimento é coisa estranha dentro da gente. As coisas miúdas acontecem por acaso diante dos Rituais.
Escreve, define, se questiona sobre qual o caminho para a serenidade do tempo… Descobre que a lógica da vida é viver.
Havia chuva no olhar distante. Caía o dia em forma de gotas. As asas guardam pérolas de diamante. As notícias salvam crianças que nasceram. Via um voo dentro das umidades todas.
Cabia canções no universo da água que sabia ser. A cor exala nas folhas. É a vida cobrando passagem diante da dor. A magia se faz de instantes.
Ouvia a história de amor do homem do carro vermelho e chorou com ele suas dores de amor. A tristeza sombreou o dia debaixo do pé de ipê, que floriu sem ser época nem nada. Flor temporã – disse ele declamando poesia e falando que iria cruzar o mundo em nome desse amor. A natureza calou o riso dele quando ela se foi. Pediu para decifrar a sorte do dia dentro do horóscopo dele. A linha da mão falava em continuidade. Era assim que acontecia dentro dos romances do dia.
Fiquei grávida de poesia depois de te amar. Há dimensões de vida inteira florindo no quintal. O cheiro de terra molhada perfuma o quarto. Não sei se era o desejo maior ou se era fome de uma eternidade – esse meu sorver da vida – que aflora e vira flor. A latitude inteira cruza meu quintal. Te dou o canto do beija- flor no meu bom dia. Mil beijos despedindo rotinas desavisadas. O som do piano nas figurinhas extraordinárias embala o nascer de mais poesia. Nascerão todas entre o agora e o depois. E entre a paixão e a felicidade plena, trouxe flores para você.
A primeira vez que fui em São Paulo foi em 2005. Fui participar de um evento e fiquei poucas horas. Vi São Paulo de relance, entre os vidros da janela do ônibus e não foi amor à primeira vista.
Em 2015, quando vi São Paulo do alto eu apaixonei. Eu ficaria horas vendo aquela imensidão e vi São Paulo com olhos de paixão. A cidade me acolheu e me fez sentir em casa e fui guiada pelas ruas e calçadas como se fosse um primeiro amor.
Fui acolhida como se já tivessem me esperando, com mesa posta, sorriso largo e abraço aconchegante. As ruas eram extensões do meu quintal e as pessoas sabiam-me em amor. Me vi dentro das canções que retratam a cidade e vivi as melhores emoções nas noites da cidade.
Voltei mais vezes – algumas até – e revivi tudo de novo e o amor e a intimidade foi aumentando. Eu amo a cidade pensando nas pessoas que enfeitam meu olhar pelo ângulo dessa imensidão que é São Paulo.
469 anos e São Paulo vive suas contradições e seus afetos e sei que muitas outras vezes, vou olhar a cidade do alto, de perto, de pé no chão, nas ruas e no coração dos que amo e vou voltar como se nunca tivesse partido.
Lembrei-me de que nunca te escrevi uma carta. As coisas que eu quis te dizer foi sempre nas mensagens trocadas, nos comentários em comum e na leveza do carinho que temos uma com a outra.
Mas hoje, eu quis falar com você. Em outros anos, a gente se falava horas por telefone e eu derramava minha admiração por você e mesmo quando não dava – como hoje – a gente se comunicava em pensamentos.
Esse dia é seu, Sayuri e eu queria escrever aqui seu nome lindo – o de verdade – que você precisa esconder para se proteger. Muitas vezes, pronunciei seu nome para o vento e com ele eu repetia sobre sua coragem. Poucas vezes eu vi uma mulher com tamanha coragem, mesmo cheia de medo. E tantas vezes eu quis te proteger. Queria te trazer para perto de mim e cuidar para que todo o sofrimento e lágrimas ficassem para trás.
Quando, por algum motivo, eu passo por alguma dificuldade e quero me abater, me lembro de você. De sua fala mansa e encorajadora. E fico tão grata ao universo por tê-la colocado em minha vida há mais de uma década. E não ouso fraquejar, porque de alguma maneira, te vejo tão valente diante de tantos obstáculos.
Hoje, mais uma vez, te busco dentro de um abraço imaginário e lembro de sua risada gostosa… e de como enfrentou o inesperado e transformou ele em lugar bonito de viver.
Felicidades todos os dias, para que o inesperado – roubei sua frase para dar título a essa carta – de fato, tenha transformado sua vida num lugar melhor., para que ninguém mais no mundo possa te definir em alguma outra coisa que não seja amor.
Costurava afagos dentro do que a memória lembrava. A alma conhecia o toque e sabia dele de séculos passados.
Era jeito de asas na palma da mão. Era mão sentindo o ritmo do coração.
Pertencia ao mundo criado ali no quintal e sentia-se plena diante da magia que a vida oferecia todos os dias. Cabia nas madrugadas junto ao canto e quando o horizonte lhe mostrava a manhã que surgia sabia que podia tocá-la se quisesse.
Nascia uma árvore no quintal. Abracei o vento como quem dança valsa na vida. Os pés alados atravessam o oceano a nado. O corpo, essa sede de toque, quase súplica para o desejo. Apenas o resquício de uma vontade que já foi. Pedindo voz para dentro do beijo. Alguém me disse que o amor nascia hoje, pelo riso dado e as declarações feitas. Lembrei-me da diferença da estação. A meteorologia e sua fúria em errar as previsões. As palavras do dia – lá, naquele passado estranho – revividas em contagem regressiva para desejar o amor e tua voz há de ecoar eu te amo como quem sonha e minha delicadeza comerá ternura dentro dessas palavras. Nascia a sorte nas cartas lidas, nos símbolos onde o coração foi rabiscado nas paredes tortas, nos trevos de três folhas mesmo com uma joaninha a dançar na folha. Quando os poros irreconciliáveis, com a pele que implora toque no braço que se abraça e a distância dita – quase nenhuma – entre o som do riso e a voz. Dentro da curva da noite, a chuva – na gota – coincidência do nada entre o nascer do amor aconteceu o mar.