lembrei-me de te escrever para falar do quanto meu lugar esteve solar nesse verão. Você conhece os dias quentes daqui e também sabe bem das manhãs ensolaradas. Já te contei que a primeira vez que vi o sol nascer nesse lugar perguntei para minha mãe se aqui era mais perto do céu. Sabe o que ela respondeu, Leonor? Ela disse que o sol mais perto do céu é o que brilha no coração da agente.
Acho que já vivi aqui muito mais dias ensolarados do que nublados. Já te contei que aqui tem apenas a estação do sol, não contei? Tudo aqui é solar desde o amanhecer, Leonor e sabe de uma coisa? Mesmo que reclamando de alguns dias mais quentes, eu estranho o dia que ele não aparece. Mas, isso é tão raro e você pode perceber isso quando esteve aqui.
O mais encantador disso tudo é que ele muda as cores do céu, conforme a hora, o dia e do jeito que as nuvens estão. As ruas também, Leonor, se vestem de dourado e é como se estivessem preparadas para a festa.
Os dias tem sido mais quentes por aqui, Leonor e fico pensando em como você reclamaria se ainda vivesse por aqui. E como vivemos totalmente o oposto do tempo, eu fico boba com as nuances sobre o tempo que as moças da previsão – tanto daqui quanto a daí – erram na discordância do que é bom. Para a que fala na minha TV o tempo fica bom em grande parte do país, podendo chover a qualquer hora. Para a que fala para você aí, os 23º que para mim já é quase frio, faz a terra escaldar de calor.
Nem vou falar sobre a causa desse mudança de tempo no mundo todo, nem do descaso que os países têm com o meio ambiente… o que eu queria mesmo era te falar que quando vejo o sol nascer em todas manhãs, as lembranças me trazem você e nosso silêncio reverenciando o astro rei.
Também me lembro de todos os ocasos que assistimos juntas… e quando o sol se põe trazendo a noite, as minhas memórias te coloca num lugar bonito dentro do coração e acho que compreendo cada vez mais os finais. Sejam os de todo dia quando o sol se vai quanto os de amor que cumpriram seu papel. Mas ainda assim, eu sinto saudades tuas.
Meu ser fóssil pulsante sedimentar tectônico entalhado na rocha arrancado da litosfera marcado no tempo prestes a eclodir na imensidão geográfica da crosta terrestre
Suzana Martins
Su, minha menina nuvem
te escrevo na intimidade das horas logo depois da chuva que se formou para os lados do sul. Para meu espanto, o jardim gotejou, as flores do ipê se rebelaram e caíram todas de uma vez, formando um tapete amarelo molhado.
Enquanto eu ainda secava a água da varanda o céu me chamou como se quisesse que eu visse algo ali, para além dos muros. Um arco-íris lindo se desenhou e fevereiro coube intenso dentro de um dia. Corri para rua e ali comecei a escrever mentalmente essa carta para você.
Você acredita em coincidências, Su? Confesso que quase não acredito. Acho que sempre há um porquê das coisas acontecerem. Mas a minha alma de escritora se espanta com a singeleza que o destino me traz na palma da mão. Te perguntei sobre as coincidências porque justamente quando eu comecei a te escrever vi sua mensagem e seu arco-íris na janela do WhatsApp…
Ph: Suzana Martins
Sabe, Su, uma fotografia apenas não te mostra esse céu que me encanta por aqui. fevereiro aqui passou como um relâmpago e houve tantos dias dentro de um mesmo dia por aqui, além das trovoadas. .. mas também teve dias em que as nuvens pareciam feitas de algodão. E hoje foi um dia em que aconteceu de tudo no meu lugar.
Agora mesmo, Su, enquanto finalizo minha carta, o céu parece de outro mundo. E já há uma lua em seu quarto crescente. E o arco-íris se derreteu como se com isso formasse um elo entre eu e você.
Sou grata por você em minha vida! abraço carinhoso ❤
5:30 desassossego com este sol que se esparrama nos umbrais das manhãs que entram pelos meus olhos e não cansam de olhar este céu de promessas
espero a poesia, como meu pai espera a chuva para plantar feijão sempre uma ode ao carpir, plantar, regar, colher – comer e partilhar – corpo – existência e poesia – é fome – é sustento dos dias
Nirlei Maria Oliveira Agenda 2023 Scenarium Livros Artesanais
O céu amanheceu colorido e a rua de cima sente a falta de quem se foi. Nas esquinas, o homem da reciclagem recita poemas de amor e recolhe as garrafas e latas da festa de alguém.
Soube de quem partiu por ele e de quem vai voltar. Soube da lua que será cheia hoje e de júpiter com seus domínios fechados com a lua em caranguejo e de como tirar as agruras lavando os pés com a água quente do sol e sal grosso. O novo ano é logo ali. Dia de limpar a mente.
Não sei se minhas lembranças podem evocar o que vivi nesses 40 anos. Posso retratar em fotografia – ou em diários – o que cada dia ficou em memória, como um negativo esquecido na câmera… e de repente, mostrar meu lugar.
O caminhão com a mudança, os irmãos com olhos de curiosidade – o calor sufocante – a rua morna, de calçadas altas para compensar o terreno baixo.
Lembro-me das palmeiras imperiais – que fui descobrir o nome tempos depois – que circuncidavam a avenida principal. Vi um cinema… com seus folhetos e filmes – Annie – e o sol… quase angustiante a brilhar. E um mês depois, exatamente um mês depois, minha mãe se vai e você me acolhe. Aceita meu choro, minhas dores, meu desassossego em suas ruas e me guia nas madrugadas insones.
Você sabe que me abraçou como cidade e como se eu fizesse parte sempre – dos daqui – me mostra as ruas e seus ipês, o riso do moço do cemitério, os colos dos imigrantes japoneses, a rua de terra a me acarinhar os pés enquanto tantas vezes fui choro. Você foi só acolhida. Foi mãe.
Fui crescendo e acumulando dores – esquecendo aqui e ali – e descobrindo vocações. Realizando sonhos – deixando sementes – e retrocedendo… em outros momentos, avançando. Relembrando passagens… resgatando memórias. Sendo guiada pelos seus.
Descobri o quanto você é acolhedora… o quanto você é calorosa – na extensão suprema da palavra – e de quantos os seus moradores te representam. A vida retratada em tantos lugares que fui para chegar até aqui.
Quando aqui cheguei eu era a menina que sonhava com a família unida e que aquele sol que ardia na pele, pudesse acalentar a alma da menina que perdia a mãe. O tchá com bolo… espiá lá! – o sotaque estranho e bonito – os doces, os santos e a voz que o rádio levava rumo afora – o sonho da mãe refletido nas ondas médias em algum zyk 964, indicando a posição geográfica do seu lugar. As cartas ganhando forma vida afora.
O calendário me lembra os quarenta anos. Eu os vivi em tanta intensidade, em tantas fugas, em tantos reencontros e é como se sempre eu fizesse a viagem pela primeira vez. O relógio da matriz a ecoar as horas… os dias e esse vento quente que traduz seu nome.
Hoje, o seu céu tornou-se meu céu… as nuvens – tão minhas e de ninguém… em uma liberdade de ser. Eu andei por aí, e nos becos, descobri que tua força não tem mais a ingenuidade de menina. Você cresceu. Tomou proporção de gigante e seu tamanho é efêmero porque ainda guarda a singeleza do teu linguajar, se tornou maior do que podia aguentar e ainda assim permanece intacta na simplicidade.
Quando meu olhar, do alto, te alcança inteira me vejo tão pequena… miúda diante de tua grandeza. É como se seu abraço me envolvesse e minha gratidão ecoasse para além das letras.
Obrigada por tanto amor – e tantas dores que me fizeram ser quem sou – sempre!
Não contei as horas do dia porque imaginei que os poemas nasciam no ocaso no poente onde o crepúsculo me trazia sua voz mil vezes ou mais entre o gradiente das cores e a canção que eu ouvia. Mariana Gouveia
O crepúsculo acontecia sempre dentro de mim antes do sol adormecer lá fora. Eu ficava horas a esperar por ele e em muitos momentos eu dancei com as nuances de cores no céu. Você pode estranhar o fato de sempre eu falar de dança, mas sou movida a música e de alguma maneira, meu corpo sempre responde a canção.
Quando ele acontece é a hora que a minha cidade fica mais bonita, feito moça se aprontando para a festa. As nuvens parecem o veludo da fita que prende o cabelo e as silhuetas me levam para lugares guardados na memória.
Do meu quintal, alcanço apenas um pequeno rasgo do céu entre a árvore seca no quintal do vizinho e torre de alta tensão da rua de cima, bem diferente de quando o sol nasce pela manhã atravessando o telhado da vizinha da esquerda.
Mas quando consigo ir até o campo, logo depois da curva, onde antes havia um bosque eu me derreto com as coisas e reverencio o universo. Respiro as cores que me atinge e é ali que busco forças para continuar seguindo.
Me sinto tão pequena, às vezes, diante da beleza e das formas que as nuvens criam em um céu tão meu… No meu lugar.
Depois disso, a cidade se prepara a a noite, mas durante algumas horas, o crepúsculo ainda dura aqui, dentro do meu coração.
Seu nome ronda minha vida desde antes de vir morar aqui. Desde pequena, quando minha mãe falava de você, a imaginação me fazia passear por seus lugares. Me fascinava quando ela falava de suas árvores e de você ser conhecida como cidade verde.
Ainda lembro-me da primeira vez que andei pelas suas ruas. Eu era menina ainda e a sua avenida principal ladeada de palmeiras me encantou. Foi amor à primeira vista, e eu nem sabia que viria morar aqui.
Quando cheguei para morar foi encantador e desde então me apaixono sempre por você. Seu céu, o mais lindo que há! O sol, com toda fama de abrasador me traz amanheceres deslumbrantes e entardeceres magníficos.
A lua, tem a delicadeza de caminhar sobre seu céu de uma maneira que não se vê em nenhum outro lugar. E o seu povo, o mais acolhedor.
Hoje, você completa 302 anos. Tantas histórias, tantas transformações e ainda assim sempre minha cidade. Sempre meu lugar. Em todas as ruas, em todos os becos você tem a história detalhadas nas igrejas, nos casarios, na sua gente. As suas ruas me conhecem e seu rio me acolhe nos momentos de dor. Sou grata pela acolhida e por já fazer parte de você e de sua história!
Como se dá a alguém um pedaço de céu? Desses, de dia de sol, ou com os raios dourados anunciando manhãs intensas…
Quando você vem, o dia ou noite se ilumina e em meu dia/noite brilha o sol. Me vejo caminhando noite densa. Buscando mãos, umidade. Vontade. e de repente, como um momento mágico você surge, escala as montanhas do meu sonho e o sol foi eclipsado.
E eclipse de alma vem, vasculha canto, desejos. E rompe vazões, distância e sou eu aí ao teu lado, vento, brisa Queimor de sol.
Não é necessário campos, nem mesmo uma amplitude deles. Hoje, se eu pudesse tirava uma fatia do sol… Como se dá a alguém um pedaço do sol?
“Não aguento mais ser chamado de pau rodado Já tomo licor de pequi, já danço o Siriri Como bagre ensopado Sou devoto de São Benedito Até já danço o rasqueado Sou devoto de São Benedito Até já danço o rasqueado
Adoro banho de rio, vou direto pra Chapada Na noite cuiabana tomo todas bem gelada Sou viciado no bozó, pescaria e cururu Tomo pinga com amargo Como cabeça de pau
Eá, Eá, Eá, só não nasci em Cuiabá Mas no que eu cresci Meu bom Jesus mandou buscar”. (Pescuma e Pineto)
Não nasci aqui, mas de fato talvez tenha nascido. Ou nasci lá… O nascer verdadeiro foi em outro Estado, e talvez possa ter inventado – eu explico – essa miragem do lugar da minha infância. Mas, quando cheguei aqui e me deparei com ruas circundadas pelas palmeiras já centenárias e ipês floridos… duvidei do que via – e passei a “inventar” minha cidade de morar. O cheiro do quintal e suas mangueiras a cantar frutos para o vento… Os pés de cajus a servir de comida para os pássaros pareciam desenhados na minha memória. O pomar era no fundo da casa da vizinha… no meu próprio quintal e calçada afora, dentro do espaço por onde passava. O linguajar do povo em sua melodiosa prece… as igrejas a desejar a fé nos infinitos terços nos dias da semana. O rio que dá o nome à cidade… a abraça até avançar rumo ao Pantanal. Circunda os bairros e dá alimento aos moradores. As ruas antigas contrastam com o moderno. Ali, onde cato poesia, descubro o avesso desse lugar que amo… Adoro essa rotina radiante de dia de sol e seu calor abundante que colore meu quintal… minha rua – meu lugar. Mas, amar essa cidade gera conflito… porque ela mudou tanto, e ainda assim, continua igual. Antigamente, era tranquilo descrever meu amor por ela… na calçada onde as famílias sentavam para contar seus velhos causos. Meus olhos avistavam a vida na leveza do vento que batia nas folhas da mangueira, que me traziam sombra e aconchego. Eu não entendo mais esse lugar como antes…e, talvez, você perceba que é isso o que me encanta. Já não há mais cadeiras nas calçadas e nem a criançada a brincar de pipa, bolinha de gude e pique-esconde. Tudo se tornou tão distante das vilas, e os prédios multiplicaram aos meus olhos. Sinto falta dos lugares feitos para mim… onde me encontrava em poesia e rabiscava nos muros os meus primeiros poemas de amor… falava da cor que diversificava em vários tons da cidade verde… do fruto doce – que como presente nasce no meu quintal. Do sol abrasador que me aquecia… e de que eu, insatisfeita, sempre reclamava. Eu sempre amei esse pedaço de chão e, ao mesmo tempo, tive raiva… quando as ruas se abriram para mim, me envolvendo com as folhagens das palmeiras que ladeava os caminhos por onde eu passava. E eu, menina, corria solta pela vida… sonhando com a cidade sendo notícia no mundo – senhora de si – com suas cores redesenhando o amor que eu sentia. Vestia de chita, enchia de poesias as vielas. Serenava nas madrugadas frias… umedecia nas tardes de calor. Reclamava, reclamava e, mesmo assim, longe daqui, queria existir nela…porque sempre amei desbravar rotas novas, desvendar os lugares secretos. Comer e beber da fonte do rio… na essência pura de alma cuiabana que tenho. Eu sei que tudo isso está aqui ainda, mas aquela menina… que aprendeu a desvendar o amor que sentia pela sua cidade, cresceu. E o amor… infinito, cresceu junto comigo, na mesma intensidade do sol que abrasa – e torna especial e único – meu lugar. Com o tempo, me transformei em arrogante, pelo simples fato de poder possuir as ruas, e dançar sob os ipês coloridos dos parques, porque queria o melhor lugar para viver. Mostrar ao mundo a beleza que cada canto continha. Eu andei por aí e, nos becos, descobri que a força da cidade não é mais a ingenuidade de menina. A cidade cresceu também e tomou proporção de gigante. Seu tamanho é efêmero, porque guarda a singeleza do seu linguajar. Ela se tornou maior do que podia aguentar e, ainda assim, permanece intacta na simplicidade. Já fui para outros lugares, outros amores… sempre voltei, por vezes insatisfeita, mas com a sensação de que só aqui poderia chamar de lar… Porto seguro. Ali, entre a ponte que dividia lugares… que guarda meus desejos mais secretos e que, para ninguém descobrir, o vento levou. Aqui, debaixo das árvores que cede a sombra fresca durante o calor… e nas calçadas onde cresci, sentindo o aroma doce do cerrado… Busco justificativas para tudo o que eu sinto… Ainda me encanta a diversidade… os mil jeitos. A mansidão com que me abraça, mas eu odeio a falta de regras, a desigualdade, a falta de respeito, de solidariedade que existe. Pode ser que eu me engane ao ver nascer uma flor debaixo de tanto concreto… onde as escadarias me leva aos lugares de fé, ao acreditar ser possível que esse lugar continue o mesmo… e mude. Que os encantos aconteçam nas manhãs em que vejo pássaros tão variados voando no céu cinzento, e pense que ainda é a menina simples que me encantou.
Mariana Gouveia Carta publicada na Revista Plural Avesso – Scenarium Plural Editora *b.e.d.a — blog every day april — um desafio que surgiu para agitar os dias de abril e agosto nos blogues e comemorar o Blog Day.