Diário das quatro estações · Efeito borboleta · Mariana Gouveia · Scenarium Livros Artesanais

Preciso sobreviver ao encanto…

que teus olhos me apresentam em miudezas e rotinas.
Dou-te os sentidos plenos no toque das palavras,
invento recantos onde seu amor me ampara
Para isso, basta sentir-me tua.
Adivinho que você nasceu em algum canto do mundo. E os séculos nos pertencem.

Mariana Gouveia|
In: Cadeados Abertos – Diário das Quatro Estações – Scenarium Plural – Livros Artesanais, p. 93 |
*Imagem: Laura Makabresku

Das palavras das cartas · infinitamente · Mariana Gouveia

Ao ocaso de uma noite que amarelou a dor.

O ponto de partida foi transformar tudo num quadrado redondo e dali escapar,
pelo tecto.
Talvez um dia, o estado das coisas revele outras formas, sem fronteiras ou equívocos, cumprida na distinta fragilidade de viver.

acp

Francisca,

Eu nunca imaginei que você me pediria uma carta. Uma carta diferente das tantas outras sob encomenda que fiz para você. Nem como presenciaria a fragilidade da vida em seus olhos. Mas, antes de escrever qualquer outra palavra eu sou puro agradecer.

Não te escrevi ontem porque foi uma noite de vento entrando pelas frestas da janela e dentro de mim as memórias tem sido constantes. É quase como se um filme passasse na cabeça. Então, fiquei repetindo: amanhã eu escrevo-te e seu olho pedindo urgência… E só hoje resolvi te falar da palavras cheias de inteirezas – frase tua – e de como a gente quer que os dias durem como se fossem domingos. Desses que não passam nunca e a gente fica pedindo só mais uns minutos para que as palavras ganhem a ordem de viver para dentro.

Com você, eu pude viver tantas coisas que parecem cena de filmes… Frases que trocávamos e que eu escrevia em cartas para sua mãe. E acho que foi assim que te conheci. Quando mudei para sua rua, alguém havia dito que eu escrevia cartas… e ouvi seu sotaque a me chamar no meu portão: mulher, quero que tu escrevas uma carta para mainha. A carta era sempre escrita no último dia de cada mês. Mainha – a tua – morava no Crateus e era em um lugar chamado Saudade que ela recebia suas palavras escritas com minhas letras. E hoje, o último dia de agosto, cá estou eu a te escrever… misturando erros que só a gente sabe o que significa.

Posso dizer que me apaixonei primeiro pelo seu sotaque… depois, pela agilidade do abraço. Seus braços eram como se fossem garras que nos prendiam e protegiam. Já estive muitas vezes segura dentro deles.

Depois, nossos filhos se tornaram amigos, cresceram juntos e foram tantas cartas tuas para alguém que tu amava e eu me sentia a Fernanda Montenegro, no filme Central do Brasil… Depois vieram as miçangas, o crochê… as tardes regadas com suas risadas em meu quintal.

Tu lembra das tempestades que assistimos juntas, na varanda da tua casa? Do bolo de mandioca no lanche da tarde? Dos desenhos que pintamos no muro do seu quintal? E de repente, tu muda de bairro e as coisas diárias se tornam semanais, depois, mensais… Mas as cartas para tua mainha ainda eram escritas, onde você retratava sua rotina e as dos seus filhos… e de como a palavra saudade era repetida diversas vezes… A minha letra escrevia seu amor de filha e os rasgos na memória de quem lembrava do sertão onde viveu… até o dia em que sua mainha se foi…

Depois disso, apenas as memórias na bagagem como quem carrega sua dor e as dores de outras pessoas. E quando você volta, é como se nunca tivesse partido. Habituamos instantaneamente com as mesmas rotinas de antes, os mesmos risos e os olhares cúmplices. A casa 37 da rua de cima era meu refúgio. O lugar onde eu podia chorar livremente ou rir até doer a barriga.

Hoje, seu endereço nem cabe na minha alma. As cortinas que bordei balançando em sua janela ainda borrada da última pintura, que prometemos consertar e nunca tivemos tempo para isso, as flores do quiabo na pequena horta lembrando que ainda falta fazer a receita preferida e o amarelo desbotando quando chega o fim do dia, fazendo nascer um pequeno fruto… Cada vez que me despeço de ti é essa carta continuada que prometo ler amanhã… o som da música que tu gosta vem comigo rua afora… o chão sendo testemunha de nossa história contada nas pedrinhas que piso.

Ainda faltam algumas coisas para fazermos juntas enquanto seu filho não chega. Ainda não te contei o final do livro que escrevi e nem de como vai terminar a história do que estou escrevendo. As coisas nunca mais serão as mesmas depois que você se for, e amanhã, prometo te levar meu melhor sorriso e te dizer alguma frase antiga que surtia efeito… como é que era? Aquela que se multiplicava quase sempre no mesmo diálogo e te arrancava gargalhadas e tu dizia: eita, mulher… só tu mesmo!
Amanhã, leio essa carta para ler em seus olhos a sorte que tenho de estar assim com você, nesse fio de esperança de que a sua partida seja feita de levezas e inteirezas.

Te amo muito,

Mariana Gouveia
Agosto é o mês de Beda e se encerra hoje.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso

Das palavras das cartas · infinitamente · InspirAção · Mariana Gouveia

Beda – Para além dos dias de afeto

Filha,

será que consigo te escrever? Será que as palavras que tanto amo saberão descrever o que sinto por você?

Eu te gestei no coração… e os nove meses de espera para ver seu rosto me fizeram sua ‘outra’ mãe. Eu te vi bem antes dela. Cantei seu nome ainda no berçário e te peguei nos braços tão franzina que o medo de te machucar me fez te devolver para a enfermeira em seguida. Ensaiei seu nome várias vezes. Mas, para mim, só aparecia a palavra filha. A menina que não nasceu de mim, mas que eu amo como se tivesse te dado a vida. A menina de sorriso largo e que enchia meu coração de amor.

Depois, fui seguindo seus dias. Seus primeiros passos, e o tiiia – quase sua primeira palavra – me fez chorar. Depois chorei com os nascimentos de seus filhos e acho que tenho feito isso a vida toda. A cada dor, eu sofro junto… a cada alegria, rio junto.

Por sua causa, agosto é todo ano para mim. Seu dia me chama no calendário como se nesse dia eu ganhasse um presente todo ano. Não se nasce atoa em agosto… em agosto nascem os guerreiros. Os que vencem qualquer batalha. Os fortes – mesmo quando se sentem fracos – e os escolhidos.

Sabia que quando falo de você meus olhos sorriem junto das palavras? E quando falo de sua família, mas do que genética, meu coração se enche de orgulho do quanto você costurou seus dias dentro da doçura do amor.

Em letras enormes eu digo que você ADOÇA a vida das pessoas ao seu redor e que te envolvo no meu amor por você.

Te amo para além de aniversários e vida afora e te desejo que a vida seja sempre adocicada.

Beijo,
Mariana Gouveia
Agosto é o mês dela e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso

Das rotinas · do verbo voar · Efeito borboleta · infinitamente · Mariana Gouveia

eu era um quase… uma parte

Foi no dia que te bordei
que a arte fez-se em mim

os pontos – quase toque – cerzidos com a linha de cetim

sua pele – tão alva – ponto cheio

tecendo flores em cada respiro
voos de borboletas
– feito asas –
a linha se desgrudou da agulha e uniu-se a mim

um nó feito
– na véspera do voo –
eu era pouso em ti.

Mariana Gouveia
Agosto é o mês da arte e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso
arte: José de La Barra 

Divã · Livros · Mariana Gouveia · O lado de dentro · Scenarium Livros Artesanais

Maria sem vergonha

Beijava todas
como se fosse…
única!

Beijava a mão
como se fosse..
à boca!

Beijava a flor
como se fosse…
ela!

Mariana Gouveia
O Lado de Dentro
Agosto é o mês do poemas e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso

azul em qualquer céu. · Das palavras das cartas · Lunna Guedes

Beda – As plantas acenavam ao vento de agosto…

Bambina mia,

agosto durou tanto aqui, que parecia que eram dois meses em um só. Devo confessar que dancei no quintal em uma noite escura, sem lua, ouvindo a canção que você me enviou. Eu estava sem sono e a madrugada corria solta. Um céu cheio de estrelas e pela primeira vez, senti medo de ir para a rua de cima. Não sei porque. Dançar foi o que me coube em um quintal escuro e um céu cheio de estrelas.

Agosto foi um eco em um quarto abafado – você sabe – e os dias no calendário se estranharam na folhinha na parede da cozinha, onde anoto o dia do gás. Mas, devo confessar que até minha mãe dizia que agosto tinha esse sufoco na alma. Era o mês dos cachorros loucos – e nunca entendi essa expressão – e a gente vivia com medo da baba do cachorro da vizinha, coitado. Nunca mordeu ninguém.

O ipê do meu quintal floriu… Te mostrei em fotos o amarelo dourando meu quintal… mas, quando agosto já quase dobrava os dias em seu final de mês, e já havia amanhecido, bambina… a rua de cima se enfeitou de cor… eu quase fiz reverência para a árvore que se desdobrava em amor em forma de botão de flor. As plantas acenavam em um vento de agosto que nunca tinha visto e fiz o sinal da cruz.

Na volta, eu passei no mercado e vi a massa que você usa e quis fazer igual. E lá vou eu para a cozinha – essas coisas de alquimia que já te contei – e pica-se o tomate, o pimentão, o alho, e a abobrinha. Sabe que faço isso em homenagem a tu, né? E o sabor me levou até você… Já falei das vezes em que queria te trazer até aqui? Queria te mostrar as quatro estações, simultaneamente dentro do meu dia e ressarcir o calor que você sentir em um abraço. Queria te mostrar a rua de cima e mostrar minhas coisas para você e depois, te devolver para o teu lugar dentro de um abraço… O mesmo que te pedi hoje. O mesmo que ganhei de você hoje.

Tem dia, que parece um mês… Beira a teoria do caos… Mas, tem dia que a leveza vem através de risos largos, de silêncio confortante e de saber-te ali.

Isso eu sei… e pode ser em qualquer dia, de qualquer mês…

Amo tu imenso!
Grazie!

Mariana Gouveia
Das palavras das cartas
Agosto é o mês dos ipês rosa na rua de cima e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso

Livros · Lunna Guedes · Mariana Gouveia · O lado de dentro · Scenarium Livros Artesanais

Beda – O cenário da minha Scenarium.

– a arte de fazer livro de artistas –

Olhando a foto parece que foi ontem, e contando os dias no calendário já são 10 anos… e se eu te contar que as histórias que eu escrevi – e até as poesias – viraram livros costurados com fitas de cetim, você acredita?

Eu escrevi cartas, romances e até diários. Fui Coletivo de gente tantas vezes e fui Plural. Nesse universo de papel couchê e costura oriental. A arte exposta de forma artística. Sabe aquele lugar que você quer estar e gosta de estar? É esse sentimento de pertencimento que me toca.

É a paisagem que a Scenarium me coloca, como parte da história criada, sentida e vivida. Através do olhar atento de Lunna Guedes e dos cuidados de Marco Antônio Guedes. Eu presenciei a criação dos livros e fiquei comovida vendo a agulha fluir entre a fita de cetim e a folha de papel costurando meu sonho.

A primeira vez que vi o livro sendo costurado tocava Try … fiquei calada, encantada com a rapidez com que o livro se formava diante de meus olhos. Cada poema ganhando ritmo na arte da costura.

O lado de dentro foi costurado com a trilha musical que tocava ao fundo, em um apartamento, no 13º andar de um edifício do bairro Liberdade em São Paulo. Meu olho alcançou a cidade do alto e vi ali, o sonho realizado. A foto acima mostra as capas da edições revisitadas do meu primeiro livro. Depois dele, vieram mais cinco.

Ali, era a menina que sonhou um dia ter um livro publicado, no cenário da minha Scenarium. Podia dizer que minha editora era tão singular dentro de uma pluralidade de pessoas que junto comigo realizavam sonhos. Talvez bem mais do que realizar sonhos, a Scenarium acreditou que eu podia falar com o mundo através dela.

E de repente a gente se assusta quando vê que já se passaram 10 anos. E de repente, livros costurados pela Scenarium ganham o mundo. E me arrisco a dizer que esses 10 primeiros anos foram apenas o ensaio. A gente ainda tem muita coisa para fazer para encantar vocês.

Viva a Scenarium Livros Artesanais e Viva Lunna e Marco!

Mariana Gouveia
Agosto é o mês da Scenarium e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins  Roseli Pedroso

Das palavras das cartas · infinitamente · Mariana Gouveia · Via Solar

Beda – Carta à viagem ao meu lugar.

Cuiabá,

Não sei se minhas lembranças podem evocar o que vivi nesses 40 anos. Posso retratar em fotografia – ou em diários – o que cada dia ficou em memória, como um negativo esquecido na câmera… e de repente, mostrar meu lugar.

O caminhão com a mudança, os irmãos com olhos de curiosidade – o calor sufocante – a rua morna, de calçadas altas para compensar o terreno baixo.

Lembro-me das palmeiras imperiais – que fui descobrir o nome tempos depois – que circuncidavam a avenida principal. Vi um cinema… com seus folhetos e filmes – Annie – e o sol… quase angustiante a brilhar. E um mês depois, exatamente um mês depois, minha mãe se vai e você me acolhe. Aceita meu choro, minhas dores, meu desassossego em suas ruas e me guia nas madrugadas insones.

Você sabe que me abraçou como cidade e como se eu fizesse parte sempre – dos daqui – me mostra as ruas e seus ipês, o riso do moço do cemitério, os colos dos imigrantes japoneses, a rua de terra a me acarinhar os pés enquanto tantas vezes fui choro. Você foi só acolhida. Foi mãe.

Fui crescendo e acumulando dores – esquecendo aqui e ali – e descobrindo vocações. Realizando sonhos – deixando sementes – e retrocedendo… em outros momentos, avançando. Relembrando passagens… resgatando memórias. Sendo guiada pelos seus.

Descobri o quanto você é acolhedora… o quanto você é calorosa – na extensão suprema da palavra – e de quantos os seus moradores te representam. A vida retratada em tantos lugares que fui para chegar até aqui.

Quando aqui cheguei eu era a menina que sonhava com a família unida e que aquele sol que ardia na pele, pudesse acalentar a alma da menina que perdia a mãe. O tchá com bolo… espiá lá! – o sotaque estranho e bonito – os doces, os santos e a voz que o rádio levava rumo afora – o sonho da mãe refletido nas ondas médias em algum zyk 964, indicando a posição geográfica do seu lugar. As cartas ganhando forma vida afora.

O calendário me lembra os quarenta anos. Eu os vivi em tanta intensidade, em tantas fugas, em tantos reencontros e é como se sempre eu fizesse a viagem pela primeira vez. O relógio da matriz a ecoar as horas… os dias e esse vento quente que traduz seu nome.

Hoje, o seu céu tornou-se meu céu… as nuvens – tão minhas e de ninguém… em uma liberdade de ser. Eu andei por aí, e nos becos, descobri que tua força não tem mais a ingenuidade de menina. Você cresceu. Tomou proporção de gigante e  seu tamanho é efêmero porque ainda guarda a singeleza do teu linguajar, se tornou maior do que podia aguentar e ainda assim permanece intacta na simplicidade.

Quando meu olhar, do alto, te alcança inteira me vejo tão pequena… miúda diante de tua grandeza. É como se seu abraço me envolvesse e minha gratidão ecoasse para além das letras.

Obrigada por tanto amor – e tantas dores que me fizeram ser quem sou – sempre!

Mariana Gouveia
Das palavras das cartas
Agosto é o mês dos 40 anos que cheguei em Cuiabá e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega  – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso

azul em qualquer céu. · Divã · dos diários · Efeito borboleta

Quero mudar. De mim.

De vez em quando eu a procuro no meu quintal.
E te vejo nos instantes que vivi ali.
A solidão esmagadora e essa maldita espera e minha mão transgressora que toca lembranças que quero esquecer. Até mudo as coisas de lugar.

Coloco a horta onde o vento bate e onde eu abria os braços para te abraçar. Assim, ele não me lembrará mais seus cabelos revoltos e o brilho no seu olhar.
Quero mudar de casa, porque essa tem aquele canto insistente que você ficava e a cadeira e o seu nome rabiscado nos muros onde desenhei mil corações.

Quero mudar de bairro – porque nesse – as ruas que te mostrei escancaram debochadamente me lembrando do riso que você deu, das cores que você gostou e do retrato seu seguindo por elas, devorando os becos com seu olhar de espanto, colhendo a miudeza das flores, bebendo o sabor do sol, só porque lembra onde você nasceu.

O meu lugar lembra o seu lugar. Quero mudar de cidade, de mundo, de planeta.
Ir para onde não aja lembranças e onde você não viveu. Onde em cada direção que eu olhar não veja marcas de sua presença. Aqui, há presença demais. Há lembrança demais e há saudade demais.
Aqui, o vento dança e rasga a pipa que algum dos meninos não conseguiu resgatar e o som dela balançando ao vento me lembra você.
Aqui há cheiro de pele na mão, nas roupas de cama e até o cheiro do sabonete líquido me lembra você.

Mudo tudo de lugar e jogo lembranças fora.
Depois vou lá e cato tudo de novo e me sujeito novamente a elas.
Esfrego a pele para tirar seu cheiro, mas é estranho, porque ele está dentro de mim.
Quero mudar. De mim.

Mariana Gouveia
Das palavras das cartas
Agosto é o mês de mudanças e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega – Darlene Regina – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso
Imagem: Christian Schloe

azul em qualquer céu. · Das palavras das cartas · De todas as estações · Mariana Gouveia

Beda – azul de qualquer céu.

O barulho do envelope rasgando apenas insinua a expectativa das letras. Havia um perfume entre as palavras.

As pedrinhas quase imperceptíveis acariciavam as mãos.

– Vê? Toque a areia do mar! E assim ela me trazia a maresia e seus arredores.

Dias depois, as folhinhas das árvores do Central Park viriam desenhar a estação dentro dos meus dias.

Depois, os bordados de Guimarães a caber vontades e a areia do deserto.

Relatou a neve, a chuva e os dias longos dentro do quarto.

A sala de aula na faculdade do sonho. O sabor da paella a evaporar caminhos.

Santiago foi dominado sozinha por ela. Acho que ela fingia lugares pisados, gramas mais verdes que os olhos dela podiam prever. Amores estranhos que eram personagens reais dentro da história dela.
Detalhava os ruídos das ruas. A cor dos carros. O vento a derrubar as violetas na janela.

O lenço com poema bordado. O ” pensei em você” era engraçado diante de coisas simples ou encantadoras. A rosa que nascia na casa vizinha. A cor do batom.

Eu, apenas podia desenhar os dias por aqui, O azul do céu. O azul dos dias e o azul dos bichos…Ela somente ria – bicho azul, tirando passarinho…nunca vi – e o sol em seu estranho jeito de ser no meu lugar.

As palavras dela desenhavam rotinas no meu dia e meu dia desenhava cores nos dias dela.
Há que estalar os dedos diante da vida. Essa é a mágica diante do redemoinho dos dias.

Mariana Gouveia
Das palavras das cartas
Agosto é o mês de céu azul e de Beda.
Participam junto comigo:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega – Darlene Regina – Mãe Literatura – 
Suzana Martins – Roseli Pedroso
Fotografia: Ines Kosic