Somente no impulso de ultrapassar os dias para vencer o espaço da minha vida dentro da primavera, eu achava o céu vazio, mas a memória era minha – eu sabia – e por mais que eu buscasse o fulgor da estação, voltava em mim esses avisos surdos que abalam as raízes do meu ser… a sensação de plenitude ou nada…
Ouvia as promessas de antes quando certas horas me visitam e quando uma música me fazia recordar momentos… Chopin, Noturno nº 20.
Falei aos moços de Proust, no tempo que apenas leituras moravam nas minhas lembranças.
Do halo que se ergue nas flores que nascem no quintal. Do doce feito da fruta colhida fresca, e um sabor que se conheceu na infância.
Dos maracujás reencontrados mais tarde com memória de outrora… Ali, no cerrado que já não existe mais…
Mas, a minha memória não era bem essa. Minha memória não tinha apenas fato vividos… não exigia sua recuperação para que o halo se abrisse…
minha memória não era lembrança de nada…
uma música que se ouve pela primeira vez,
um raio de sol que atravessa a vidraça,
uma vesga da luar de cada noite que podia se abrir lá longe, na dimensão absoluta, de um céu cheio de estrelas.
O eco dessa memória ia para além da vida e soava pelos espaços desertos, desde antes de eu nascer e se espalhava para além das flores que nasceram dentro da estação.
Mariana Gouveia
Ser de flor
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