6 on 6 · Das palavras das cartas · Scenarium Livros Artesanais

6 on 6 – Espaços em branco…

No espaço branco entre o sentir e o não sentir.
O pensar e o não pensar.
O espaço branco entre o som e o silêncio. No espaço branco entre palavras desenraizadas e histórias abandonadas. O espaço alado da própria pele. O espaço entre os espaços em branco, todos os espaços que se desbravam por ele. Onde tudo existe como sussurro de um longínquo e imaginário passado de personagens, num fantástico e ilusório enredo.

Fátima

Leonor,

Assim que o avião subiu ao céu e deixou apenas um espaço branco em meio as nuvens eu já senti sua falta. O ir embora parecia tão distante… Os dias voaram e assim como você chegou em meio as brancas nuvens, da mesma maneira partiu. E não foram só as nuvens que se embranqueceram no azul do céu…

as cortinas já não traziam sua silhueta ao balançar nas minhas manhãs e eu ficava horas ali, a espreitar o vento que não exibia seu sorriso entre a penumbra da madrugada e a brancura suave das manhãs…

Sabe, Leonor, deixei em branco seu lugar à mesa com a xícara sem café e o livro que você esqueceu. Tive vários diálogos com as páginas em um idioma que não entendo e juro que fiz as mesmas perguntas desde então: quer café, flor? Mas não havia resposta e minha voz se esvazia em eco em uma cozinha e mesa tristes.

Também deixei em branco – sem dedicatória – o livro que era para ser seu, com poemas escritos para você. Esse vício antigo de escrever amores que eu sofro na sua ausência. Como pode ter esquecido tudo que prometeu? Como pôde simplesmente sumir no mundo como se aquela nuvem que engoliu o avião tivesse também te transportado para outro além?

Quando alguém me pergunta sobre você tento parecer que é natural o seu silêncio… Lembro apenas que você deixou em branco também a parede quando trocou sua fotografia pelos quadros de artesanatos que fiz e que os dias de falta são marcados pelas folhas da jiboia que você plantou. Cresceram tanto nesses mais de 4015 dias que você partiu e nunca mais voltou.

Leonor, deixei as folhas em branco no caderno sem escrever uma só palavra para você. Já rasguei tantas que escrevi, outras tantas eu apenas embolei e deixei no baú, com a data e seu nome na introdução da carta. Logo eu, que gostava tanto das folhas do caderno em branco para principiar histórias não consigo nem escrever nelas hoje a palavra saudade.

Mariana Gouveia
Projeto Fotográfico 6 on 6
Scenarium Livros Artesanais
Participam junto comigo desse projeto:
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes OrtegaSuzana Martins

9 comentários em “6 on 6 – Espaços em branco…

  1. Vez em quando em vós, dama de minha eleição, percebo que tu (já não mais vós) “obra” a obra. Opera, diriam outros que têm medo da língua. E, quando em vez, percebo que vós (já não mais tu) operais à obra; que é quando tu…operas. Evidente que de vós, de tu, falo com respeito. Como quem se dirige à Dama do Lago. Aquela, mergulhada e com somente a mão para fora, segurando nossa Excalibur. Falo de Niniane, é claro.Vós. Tu. Minha, nossa fada.

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