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Barquinho de Papel

Lembro-me do barulho dos meus pés pisando a areia fina que contornava o rio logo a poucos passos da casa e durante a noite.

Quando tudo se aquietava eu ficava ouvindo o barulho da água dançando com as margens. Era a hora que eu sonhava com o barco que me levaria até o mar.

Em minha cabeça de menina uma pergunta martelava: será que se eu seguir esse rio, percorrendo as curvas eu chegaria até o mar?

Parecendo adivinhar meus pensamentos, minha mãe me mandou sentar ao redor da mesa grande debaixo do pé de sete copas… revistas velhas, tesoura e foi dobrando uma folha de revista.

A ponta de cima até o centro do papel.
A ponta de baixo levantada.
Suas mãos foram dobrando aqui, forçando a dobra ali e no centro da mesa um barquinho pousou…

A companhia dos meus irmãos encheu a mesa… e eu quis colocar meu barco no rio, para testar, colocando nele a esperança e a fantasia de sair vida afora até conhecer o mar.

Mas, assim que o barquinho foi colocado no rio, a correnteza o carregou e poucos metros abaixo se desfez lentamente.

Um outro, foi um pouco mais longe e sumiu debaixo da água.  Mas um, feito com outro tipo de papel – mais duro – seguiu a curva e sumiu levado pela correnteza. Do alto de uma pedra consegui avistá-lo até onde meus olhos conseguiram ver.

Minha mãe, vendo as nossas expectativas ali, com alguns barquinhos ainda em mãos, disse que os sonhos eram iguais aos barquinhos.

Uns, eram muito frágeis e no primeiro obstáculo se desmanchavam. Outros, duravam algum tempo, mas diante de algumas dificuldades eram desfeitos – talvez, para dar lugar a outros sonhos – e só o sonho buscado em um sentimento forte, seria realizado.

Não importa o tempo, nem as dificuldades… de uma forma ou de outra, o barco sempre encontra o porto seguro onde atracar.

Eu ainda não conheci o mar. E meu barco de papel que estava guardado, se perdeu nas mudanças da vida…

Um dia, quando meu filho completou 11 anos… o ensinei a dobrar o papel para confeccionar o seu barquinho de papel.

Repeti as mesmas frases que minha mãe me disse. Falei dos sonhos, da importância de tê-los e das dificuldades que poderiam surgir quando buscamos esse sonho.

O tempo passou, e um dia, seguindo seu sonho, meu filho me ligou à beira do mar.

Ouvi o barulho das ondas, o som do vento e o eco dos passos dele na areia… sua voz sendo parte do mar que toda vida sonhei ouvir:

– Mãe, o barquinho enfrentou a onda e está lá, no meio do mar. Os sonhos se realizam, mãe.

Não era eu ali, mas eu compreendi o que minha mãe quis dizer: muitas vezes, os nossos sonhos se realizam nos nossos filhos.

Mariana Gouveia
Texto publicado no Projeto Coletivo Barquinhos de Papel
Scenarium Livros Artesanais
É abril e é mês de b.e.d.a – blog every day april
Participam comigo
Lunna Guedes – Suzana Martins – Roseli Pedroso – Obdúlio Nunes Ortega

5 comentários em “Barquinho de Papel

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