ser — semente — flor
Nirlei Maria Oliveira, As estações
Flor,
lembra-se que eu te chamava assim e seu riso disfarçava o brilho no olho? Às vezes, acontece da gente se perder no meio do caminho. Uma vez, você disse que os atalhos é a melhor parte de uma viagem. E que de alguma forma, foi um atalho que nos ligou. Mas e o fim do caminho, flor?
Sabe, flor, nós fizemos das sementes, flores… essas coisas que o jardineiro cuida do jardim para ver os voos das borboletas. Você nem acreditava que elas pousavam em minhas mãos. Precisou atravessar um oceano inteiro para descobrir, que por acaso, o meu jardim é um borboletário e um portal para magias – isso foi você quem disse – e fatos extraordinários.
Lembra quando uma ave pernalta, típica do Pantanal veio pousar no telhado da vizinha e ficamos horas a fotografar as poses? Foi no dia da tempestade – quase particular para você – e o céu ficou quase cinza e você se encantou pela singularidade que as coisas aconteceram.
Foi naquele dia que o jardim virou poema e lemos Maria Teresa Horta em idiomas que sabiam sabor a mar. E eu acreditava que você era a maresia. Fiquei repetindo mantras como se fossem poesias e o vento da tempestade a te envolver como se você fosse a própria tempestade e o pássaro lá… no telhado e eu temendo os sinais de nunca mais.
Flor, quer café? O que você quer, flor? E o jardim se confundia com a palavra e a rosa se confundia com a pétala e a pele. Esse foi o dia em que caí da escada… eu poderia marcar cada um dos quinze dias como se fossem cem e chega finalmente o dia em que podemos denominar o fim… e alguém canta uma canção antiga como trilha sonora e as sementes começam a brotar.
E a avião ganha contornos de céu e para quem vai e quem fica o vão das coisas ficam como ponto final e o 3452703 e mais alguma coisa fica mudo. As cartas ficam registradas como recebidas e as respostas vagas – o meu amor era mais bonito que o seu… a especialista disse – e às vezes, por compaixão repetia a frase da canção de Caetano – de perto ninguém é normal – e foi quando comecei a contar até mil… até que você dissesse alguma coisa.
Depois, chegou as sementes em envelopes pardos sem endereço e plantei. As rosas e os cravos vingaram todos, mas a papoula só deu uma flor e morreu… foi quando a insônia veio morar aqui, inquilina da noite. Mas, sabe, flor, o que a noite me reserva em noites de insônia? As rosas com suas nervuras tatuam sombras em minhas pernas e eu flutuo. E todos os dias amanheço no jardim chamando seu nome.
Mariana Gouveia
Projeto Blogvember – Scenarium Livros Artesanais
Participam juntos comigo: Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega – Roseli Pedroso e Suzana Martins
Bom ler algo assim pela manhã, em pleno domingo, com as horas do dia começando a acontecer. Aquece por dentro.
Eu quero café!
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Você me faz tão bem 💕
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Amo sua escrita poética! Como você escreve bem, viajo nas asas das aves pantaneiras pelos lugares e sensações do seu texto! “As rosas e os cravos vingaram todos” que jardim lindo! Obrigada pela releitura do meu verso!
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fico muito feliz, Nirlei! Seus versos alcançam minha alma. Grata por isso! ❤
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