A ansiedade chegava antes das cartas. Por causa do lugar, atrasavam uns 15 dias, Era tão difícil compreender as datas, o tempo, restava apenas o lugar de origem da escrita e a pena por trás dela.
As palavras vinham adoçadas. Recheadas de saudades. – “ontem fez frio”. “anteontem choveu”. ” hoje amanheceu nublado”. “sonhei com você” ” queria ser eu a estar em suas mãos”.
Descrevia em cada letra tudo que vivia para que fosse possível participar do exato instante em que as letras caíram da caneta… para ganhar vivacidade na boca que lia.
Quando o carteiro virava a estradinha, que fazia a curva perto do velho ipê, saía em disparada e com o coração nas mãos.
Apreciava cada pequeno detalhe do envelope, aberto com um cuidado ímpar. Quase sem fôlego… aspirava o perfume que só mais tarde descobriu ser de ervas verdes, com um nome estranho-estrangeiro. Uma palavra nova para constar de seu vocabulário mutante.
A carta ganhava vida em sua boca… tão cheia de diálogos. Deitava-se sobre a grama molhada, lia e relia para que as palavras ganhassem vida. A carta era um corpo que se oferecia ao toque, a carícia… e ao encontro com os lábios num beijo carinhoso-único.
No dia em que as palavras deixaram o papel… foi mágico! Por um momento ficaram em silêncio, admirando-se. Sentiram cócegas na ponta dos dedos. Escreviam-se por dentro. Alguém disse a primeira palavra e depois outra e mais outra… muitas palavras depois, a pequena aldeia fazia festa porque o primeiro amor aconteceu.
Deram-se as mãos e caminharam pelos caminhos de terra percebendo a narrativa, que falava do cheiro da terra, da mão que cobria os olhos para afastar a luz do sol e da festa dos pássaros nos voos de árvore em árvore.
O carteiro passou, acenou e avisou que não tinha carta naquele dia. Pensou que enxergaria tristeza. Mas se lembrou de suas pesquisas de moleque. A palavra destinatário vinha do latim Destinatus… o destino de uma carta seria outra pessoa. E a partir daquele dia passou a prestar mais atenção nos envelopes que entregava…
E foi o carteiro o primeiro a reparar que as cartas pararam de vir para casa depois da curva. Só entregava as apostilas do Instituto Universal Brasileiro. Alguém naquela casa aprendia corte e costura, pintura artística….
O primeiro amor se foi – lamentava o carteiro sempre que passava por lá, sem envelopes para entregar.
Mariana Gouveia
Texto publicado no livro Caderno de Notas e Nem Sempre a Lápis
Scenarium Livros Artesanais
É abril e é mês de b.e.d.a – blog every day april
Lunna Guedes – Obdúlio Nunes Ortega – Ale Helga – Mãe Literatura – Darlene Regina
só porque hoje recebi cartas aqui
Eu adoro esse texto… emociona-me e eu me deixo ser conduzida pelos movimetnos de caneta, papel e envelope. Sinto-me, ás vezes, como o carteiro que se ressente da falta, mas depois respiro fundo e sei que tudo tem seu tempo.
bacio cara mia
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Eu também adoro esse texto porque de alguma maneira a ideia é sua.
Grazie tanto!
Bacio
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Olá!
Gostei muito de conhecer e ver esse poema aqui, profundo!!
Beijos.
https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/
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Muito Obrigada, Vanessa! Bem vinda sempre ❤
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