Resolvi te responder, através dessa missiva, sobre limpar as gavetas em agosto. Acho que desde sempre, dentre todos os meus irmãos, eu sou a única que ainda segue alguns dos vários rituais de meu pai. E esse é um deles.
Para meu pai, agosto era o fim e o início de um ciclo. Era quando encerrava a colheita e preparava o solo para outro plantio. Ensacar a safra nova, retirar o que sobrou da colheita do ano anterior. Hora de limpar o paiol, trocar as sementes velhas pelas novas, fazer a queimada da área de roça de toco, mudar as coisas de lugar e isso, incluía a casa toda. Limpar as gavetas, os baús… trocar espelhos quebrados, coisas trincadas, roupas rasgadas… ceder espaço para coisas novas e boas entrarem.
A sua ligação com os santos sempre foi muito viva e se mantém até hoje e o último dia para toda essa “limpeza” era dia 24 de agosto, onde na folhinha marcava – e marca – o dia de São Bartolomeu. Nem sei se ele sabia da história e das lendas envoltas em torno do nome do santo, mas nesse dia, em todos os anos, era nossa data limite para tirar tudo que era velho, que não iríamos usar mais e começava um novo ciclo, porque nesse dia, independente do ano, chovia. Era a chuva da limpeza, da renovação e da temperança.
Até hoje, bambina, lembro-me do cheiro da terra molhada – depois de dias secos de outono – a exalar do chão. Parecia que a terra guardara o perfume para receber a chuva. A lavoura era preparada nesse dia, para no dia seguinte, abraçar novas sementes e outros rituais seguiam a ordem cronológica de quem plantava. Durante muito tempo, eu fiquei a imaginar como meu pai sabia dessas coisas, mas, depois, parei de querer saber e passei a entender e a continuar os rituais dele… e esse mês, repeti os mesmos gestos… limpei as gavetas e a alma ao longo dos dias de agosto. Não custa nada seguir o rito.
Hoje, na previsão do tempo, aqui na cidade, o rito é outro e não temos previsão de chuvas. Ao redor, a Chapada e o Pantanal queimam. Os resquícios dessas queimadas caem no meu quintal… o céu, está opaco, cinza, devido a fumaça das queimadas.
Não sei a previsão do tempo aí, na sua cidade, mas para o caso de chover na sua rua, molhe as mãos na água da chuva por mim.
Bacio,
Mariana Gouveia
Agosto é o mês dos rituais e de B.E.D.A
Participam desse projeto: Claudia Leonardi – Obdúlio Ortega – Lunna Guedes – Roseli Pedroso – Adriana Aneli – Darlene Regina
Mariana, estou nessa pegada. Louca para arrumar gavetas e os armários. Esperando apenas minhas mãos melhorarem das dores. Tudo fica mais difícil, inclusive, a escrita. Quero muito desfazer de algumas coisas que já não desejo mais pela casa. Aqui, até em meu apartamento, surgiram fuligens de queimadas. Tristeza que faz nossos olhos arderem de pesar. O clima anda tão seco que nem chorar consigo. Se chover, lembrarei se você.
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Muito obrigada, Roseli! Estou aqui fazendo todos os ritos para ela chegar. Beijo
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Bem que chuva poderia nos trazer sinais de mudança e lavação de detritos de todas as ordens. Mas diante do atual momento de secura d’alma e seca climática, acho impossível, infelizmente.
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Bem que podia, Obdúlio! No meu caso, estou torcendo apenas que chova. O calor já está beirando o insuportável. Abraço
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O comentário virou missiva que virou post… Catarina promete enviar-te em breve.
Deixo-te uma braço de urso e um bacio de estalo
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Acabei de ler/reler… adoro trocar missivas com tu. Grazie tanto!
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Nice thanks for sharing…
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Thank You!
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