Aquela seria a primeira noite que eu dormiria fora.
Uma ansiedade enorme tomava conta de meu coração. E reparei que os meus irmãos também estavam ansiosos. Eu nunca havia dormido longe deles…
Mas aquela era uma noite especial.
A lua apontava no céu quando os meus irmãos me acompanharam até a porteira, que rangeu ao ser aberta.
Mal sai… e eles já haviam sumido pelo caminho de volta. O cheiro gostoso de sopa exalou no ar e ela me recebeu com um sorriso. Pela primeira vez olhei direito para ela. Os olhos azuis piscaram e percebi que ela tinha o céu dentro deles. Os cabelos estavam soltos… sem o chapéu de capim dourado deixando a mostra os cachos caídos sobre os ombros. Os fios brancos se pareciam com fios de algodão que ela me ensinou a tecer na roca, que ficava no centro da casa.
Ela me sentou na cadeirinha, colocou o prato diante de mim, que despejou no ar um cheiro delicioso. Enquanto comia, ela contava histórias e me ensinava truques.
À noite, aquela casa parecia ainda mais misteriosa e aquilo me encantava. Eu buscava cada detalhe-objeto. A lamparina no teto, a cadeira que tinha uma manta de crochê por cima. Um retrato amarelado na parede onde havia mais de cem crianças amontoadas — as que suas mãos fizeram nascer.
Depois de comer, me levou para a janelinha. Uma escada nos colocava lá no alto. E o que vi, me deslumbrou: uma lua imensa no céu e um jardim de cogumelos gigantes. Como brilhavam…
À luz da lua, eles pareciam maiores do que eram, e tinham uma coloração especial — um tom meio azulado. Ali, a minha fantasia delirou. Eu pensei ter visto um monte de duendes entre eles. Compreendi que estava vendo uma coisa secreta.
Aqueles cogumelos eram experiências que ela fazia. E ao dividir comigo, tocou-me com toda a sua arte. Acho que nem meu pai sabia da existência deles.
A cama fofa, os pirilampos piscando — pareciam estrelas no chão. O cheiro da massa de pão, o silêncio da noite.
Sentia como se estivesse lendo um livro, virando página por página. Eu era uma espécie de Alice no País das Maravilhas. As horas voaram… e eu ali, a sorver cada precioso segundo de encantamento e magia.
Ali, era a casa da dona Fulô — a casa de uma bruxa, segundo os meus irmãos. E para mim — uma menina sonhadora que vivia poesias — era a casa de uma Fada.
Aquela foi uma noite de sonho… nem dormi direito. Queria guardar tudo no baú da memória. E, com medo de que tudo se perca, esparramo palavras aqui, fazendo o que ela não sabia fazer. Ela não conhecia letra-palavra no papel. Dona Fulô era uma contadora de histórias, que fazia poesia com a voz, os olhos, as mãos e os pés. Com ela aprendi a recortar a eternidade, a ouvir o rumor dos pássaros, o restolhar das folhas na mudança da estação, o amadurecer dos frutos em bocas ávidas e a força do vento nas folhas onde histórias se escrevem, como eu prometi que faria naquela noite…
Mariana Gouveia
Agosto é o mês das histórias antigas e de B.E.D.A
Participam desse projeto: Claudia Leonardi – Obdúlio Ortega – Lunna Guedes – Roseli Pedroso – Adriana Aneli – Darlene Regina
*Esse texto faz parte do Caderno de Notas 2ª Edição, pela Scenarium Livros Artesanais
Que clima de magia e encanto, Mariana! E, no entanto, tudo me pareceu muito real…
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Não se assuste… mas, é real… rs
Abraço
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