“Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar!
Vamos dar a meia volta
Volta e meia vamos dar”
Cantiga Popular
Da minha janela, enquanto uma chuva fina cai, ouço na rua de cima as crianças da casa laranja brincarem. Imagino a roda se formando e os risos me leva até à minha infância. É nesse portal – dentro da minha imaginação – que te escrevo. Escrevo para você – a menina que fui – e que corre atrás dos irmãos e ri diante da roda que se forma. Perdi o anel de vidro em alguma história. Ganhei o verso bonito antes de ir embora para além da estradinha que serpenteava seguindo o contorno da floresta.
Misturo os momentos nessa ciranda insana – palavras da minha bambina – em que a vida me jogou. O rio secou lá para os lados onde nasci. Dizem que fizeram uma represa para instalar um monjolo – ou uma usina no Norte – e nos campos onde corri, a plantação de soja ganhou rumo afora, até onde o horizonte se mistura com o céu. Arriscam de vez em quando, entre uma safra e outra, o brilho dos girassóis e eles brincam de ciranda em torno do sol.
As mãos da minha irmã caçula a segurar com força enquanto rodopia no ritmo do vento. A palavra ciranda a ganhar contornos de união nos abraços trocados… tudo se transforma dentro da palavra mágica da saudade. Parece que além da janela, ecoa na rua de cima, o vento lá da menina que adorava cirandar e que dentro do tempo corrido, ciranda nas lembranças de lá.
Enquanto cubro a menina com o lençol de flanela para os dias de frio desenho o retrato na parede. A mãe e o pai de olho grudado em nós e o laço de fita a soltar da trança e a xícara a fumegar o chá de erva – doce.
Como as lembranças se chamariam se pudessem falar? Como seria se os álbuns de fotografias pudessem dançar com as cortinas?
As palavras cirandam no suspiro… e em frente da minha janela mora uma ciranda na praça que as crianças brincam. O relógio da matriz canta de hora em hora e de repente, eu cresci… Os balanços rodando, rodando. E o mundo acontecendo lá fora. Uma pessoa levanta, outra senta. As sombras parecem pessoas perdidas no lugar. Uma moça passa correndo. O celular ilumina o rosto de alguém na noite em que a chuva fina lembra a frase da mãe, que mandava a gente correr para dentro – enquanto a chuva de molhar bobo molhava a gente – ninguém queria ser bobo na voz da mãe… A noite é esse brinquedo que risca o chão. E a ciranda do tempo, essa senhora que fica muito tempo sem fazer movimento e depois ganha velocidade da menina que um dia eu fui.
Em frente da minha janela moram palavras que viram cartas que é uma multidão. Acho chique nomear a dança de ciranda e endereçar cartas que talvez nunca envie. Que talvez leia em voz alta andando em voltas no quintal e quem sabe descobrir o nome do futuro dentro dos olhos de quem já foi criança comigo. Eu não sei, mas em dias de chuva essa menina parece apenas um vulto. Em dias normais é apenas o gesto do meu pai que cantava baixinho a cantiga popular enquanto seguia estradinha afora rumo ao horizonte.
Mariana Gouveia
Carta publicada na Revista Plural Ciranda – Scenarium Plural Editora
*b.e.d.a — blog every day april — um desafio que surgiu para agitar os dias de abril e agosto nos blogues e comemorar o Blog Day.
Como as lembranças se chamariam se pudessem falar? Como seria se os álbuns de fotografias pudessem dançar com as cortinas?UM MOMENTO NARRATIVO TÃO EMOCIONANTE -Maria
Sem vírus. http://www.avast.com
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Grata, Maria!
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Nossa, que sensação maluca é essa… de estar a folhear minhas anotações a respeito de uma personagem. Uma tal de Alexandra. Até senti o cheiro do horto de eucaliptos….
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O eucalipto rescende aqui… Fervi algumas folhas para aliviar a sensação da fumaça. É impressionante como as coisas se ligam entre nós.
Bacio
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Cheiro de infância. Muito lindo!
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e não é? Dói ver que as crianças não aproveitam hoje… Abraços
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Lembranças de uma infância feliz como já não há em nossos dias. Deliciosa leitura!
Beijos
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Infelizmente, minha flor! Obrigada tanto! Beijos
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